03/11/23 17:00
DevOi, gente! O dev por um dia deste artigo sou eu, Rusticles! Alguém aí pode ter visto minha participação no último Torneio Sazonal ou meu Twitter, que uso para falar sobre como é jogar LoR mesmo vivendo com esclerose lateral amiotrófica graças ao meu programa de rastreamento ocular.
Eu encontrei o LoR no começo de 2021 (quando Atrocidade custava 6 de Mana!). Nunca tinha jogado um JCC antes, apesar de sempre ter me interessado por MtG, mas tinha receio da curva de aprendizado e do custo. O LoR parecia algo que poderia jogar de maneira funcional, e, como adoro o universo do LoL, dei uma chance. E, algumas finais de torneios e dois anos depois, aqui estamos! Me apaixonei pelo jogo e pela comunidade e, juntos, vocês me ajudaram a lidar com os altos e baixos da minha doença com mais facilidade. Tem sido muito importante manter minha mente ativa enquanto as funções do meu corpo se deterioram, e o LoR ajudou muito nessa transição. Agradeço de coração a todos que dedicaram suas vidas para criar o LoR, e estou empolgadíssimo para ser dev por um dia enquanto crio meu próprio seguidor no jogo!
Um pouco de contexto: esclerose lateral amiotrófica é uma doença terminal rara que deteriora os músculos lentamente até que a pessoa fica paralisada. Não existe cura e nem tratamento, e o prognóstico é de 2 a 5 anos. Geralmente, a doença afeta um grupo de pessoas com idade mais avançada, mas pode ser diagnosticada em pessoas mais jovens. Recebi meu diagnóstico com 28 anos, e agora, 5 anos depois, estou basicamente acamado com uma sonda de alimentação e um respirador.
Conforme fui avançando pelos estágios da doença, tive que seguir me adaptando para continuar jogando. Em certo momento, alguns grandes amigos montaram um gabinete de jogos no estilo fliperama, assim pude jogar Xbox quando meus dedos pararam de funcionar. Depois, instalei pedais quando minhas mãos já não estavam dando conta do recado. Agora, jogo exclusivamente com meus olhos! Com a ajuda de organizações muito generosas, recebi um dispositivo de rastreamento ocular, uma tecnologia incrível que me permite usar todos os recursos de um computador só com os olhos. Com esse dispositivo, posso jogar vários títulos diferentes, mas passo a maior parte do tempo jogando LoR.
Quero aproveitar para mandar um agradecimento especial para a equipe do LoR pela dedicação à acessibilidade do jogo. Eles criaram um jogo incrivelmente acessível e, desde que comecei a jogar, continuam a trabalhar na construção de algo que pode ser jogado por qualquer pessoa. Gostei muito de conversar com Sweta (Designer de Experiência do Usuário) sobre como o LoR pode continuar melhorando esse tipo de funcionalidade. Até ouvi alguns boatos de que minha história interessou toda a Riot, então espero que essas conversas ajudem a preparar o terreno para que projetos futuros sejam acessíveis para todo mundo que gosta de jogar.
Mas chega dessa conversa! Vamos falar sobre essa carta incrível e como foi ser um dev honorário por um dia!
Quando Julez me contou que a equipe do LoR estava acompanhando minha jornada e queria trabalhar comigo em um conteúdo para o jogo, fiquei em choque. Foi uma experiência surreal, e me senti muito animado e honrado em receber uma oportunidade dessas. Fiquei muito emocionado ao receber o convite. Afinal, o dia a dia com essa condição é desafiador, e me dediquei muito ao LoR, então ser reconhecido e presenteado com uma chance de conscientizar as pessoas sobre a doença tocou meu coração. Claro que tivemos que ser discretos antes que eu começasse a abrir o bico para qualquer um, mas contar tudo para minha família logo antes das festividades de fim de ano foi perfeito. Só rolaram lágrimas de alegria, juro!
Passamos algum tempo discutindo e tentando determinar algumas coisas específicas sobre a colaboração. A equipe de desenvolvedores estava aberta a todos os tipos de ideias, incluindo criar um emote ou um verso de carta personalizado. Por fim, optamos pelo maior sonho de qualquer fã desse tipo de jogo: criar sua própria carta personalizada. Uma carta tem vários meios de expressão e é a candidata perfeita para contar minha história e falar mais sobre minha doença e sobre acessibilidade nos jogos.
Com um plano provisório determinado, chegou a hora de mergulhar na experiência de DNA (Design, Narrativa e Arte) da Riot para criar meu próprio seguidor com a equipe de desenvolvedores.
O primeiro passo na hora de criar um seguidor foi participar de uma reunião com um designer para determinar as mecânicas de jogo da carta. Fui apresentado ao Riot Durdle e, sem perder tempo, mergulhamos no planejamento!
Minha primeira pergunta foi: "Por onde começar?". Com o arquétipo, com a região, com a condição de vitória ou com um meme? A resposta certa foi: tudo isso! Ideias surgem quando menos esperamos, e me convenceram de que não existe isso de ideia ruim quando se faz uma reunião criativa. Tyler Morgan (Riot Durdle) foi essencial para que conseguíssemos chegar aos conceitos originais. Ele fez perguntas sobre minha vida, minha família e, claro, minha experiência com esclerose lateral amiotrófica. A partir disso, criamos vários designs muito maneiros. Tenho aqui alguns que não foram pra frente, mas que valem o destaque!
3|3 – Targon – 3 de custo "Início de Rodada: Eu ganho -1|-1, e dê +1|+1 a todos os aliados na mão."
O objetivo desse design era retratar a progressão da doença, começando de maneira forte, mas deteriorando gradualmente. Queríamos destacar a perseverança envolvida nessa condição e mostrar que, até mesmo com uma doença debilitante como essa, é possível alcançar coisas incríveis! Esse foi o design mais dinâmico e passou por várias iterações, com algumas discussões falando sobre como distribuir os fortalecimentos e como gerar o efeito da melhor forma, seja com Golpear, Último Suspiro, Imortal, etc.
4|4 – PeZ – 6 de custo "Jogar: Preveja, depois cause dano a uma unidade equivalente ao custo da carta Prevista."
Acertamos bem rápido nessa, e nos inspiramos em um tuíte que falava que eu estava destruindo geral nas ranqueadas só com os olhos! Achei que seria legal representar meu dispositivo de rastreamento ocular, já que foi ele que possibilitou que eu jogasse LoR. Prever engloba a ação de "ver", e o dano causado representava minha pessoa destruindo a sequência de vitórias de alguém nas ranqueadas!
Na fase de design, criamos aproximadamente uma dúzia de cartas. A partir daí, reduzimos para 4 ou 5 cartas que queríamos continuar explorando, o que nos levou para a próxima fase no desenvolvimento de uma carta: testes de jogo!
Os testes de jogo foram divertidíssimos. Riot Durdle e eu jogamos por algumas horas, o suficiente para uma partida ou outra e ver como cada carta ficou. Não precisei nem me preocupar em comprar a carta, já que os desenvolvedores têm ferramentas para colocar qualquer carta diretamente na sua mão! Sempre que uma das cartas entrava em jogo, eu me acabava de rir. Todas elas tinham artes genéricas e nomes provisórios bem bobos. Algumas das cartas estavam absurdamente fortes, mas acabaram tornando as partidas jogadas muito memoráveis. Tenho quase certeza de que sai dessa com mais vitórias, mas Riot Durdle e eu tivemos alguns momentos bem tensos!
A parte mais difícil dos testes de jogo era não sair por aí espalhando as informações privilegiadas a que tive acesso. Jogamos na atualização futura, e sempre vou lembrar do emote da Jinx em choque quando Riot Durdle usou a carta Quietus enfraquecida em mim. Ter todo esse conhecimento e não dar com a língua nos dentes é bem difícil. Hoje, tenho mais respeito ainda pela resiliência mental dos designers de jogos!
Depois que finalizamos os testes, Riot Durdle me forçou a escolher apenas uma carta! :( Algumas se destacaram, e eu bem que queria todas, mas no fim das contas a escolha foi bem fácil. Eu me apaixonei pelo design e estilo de jogo de uma carta que ainda não mencionei: Papai e as Crianças. Vou falar sobre a história e a arte por trás da carta primeiro, depois podemos voltar a falar sobre o que amei tanto no design.
Minha história não é só minha; ela também é da minha família que me acompanha a cada passo do caminho. Era importante para mim que ela fosse incluída, já que eu jamais teria chegado tão longe sem o apoio e o amor incondicional dela. Com minha família em mente, avaliamos algumas das regiões dentro de Ionia. Meaghan Bowe (Líder de Criação), também conhecida como Littleleaf, me explicou a história do lugar e acabamos optando por explorar duas regiões: Navori e Vastaya!
Os Navori são sobreviventes da guerra se recuperando de uma grande e custosa batalha contra Noxus. Essa região ressoou muito comigo, já que a guerra, o sofrimento e a recuperação dos Navori combina perfeitamente com o que uma família passa com um diagnóstico de esclerose lateral amiotrófica. Definitivamente é uma batalha, e as perdas são devastadoras e deixam muitas cicatrizes. Mas tempos difíceis fortalecem a união e o apoio, e superar obstáculos deixam a base de uma família ainda mais forte. Eu adorei o tom da região e estava empolgado para discutir como incorporar os Navori na minha carta.
A outra região, Vastaya, era a combinação perfeita dos valores familiares. Esse povo tem um estilo de vida minimalista com raízes em magia, mas são ferozmente fiéis e protetores de suas famílias e amigos. Se existe uma região ideal para retratar minha família, certamente é essa! A temática desse região exemplifica perfeitamente tudo que eu queria expressar sobre minha família e o que ela significa para mim. Tudo parecia perfeito e, no fim das contas, estava perfeito mesmo! Decidimos avançar com a região Vastaya, e eu não poderia estar mais contente com a decisão.
*Nota do Rusticles: na verdade, tínhamos pensado em uma terceira região (Karma) que curti muito, com temática focada em força e perseverança, descrevendo muito bem minha jornada com a doença. Infelizmente, a região é da Karma e... nós não nos damos muito bem nas ranqueadas. Então, descartei essa possibilidade rapidinho!
Por fim, começamos a trabalhar com a equipe de arte na elaboração dos rascunhos iniciais, para ver como meu seguidor ganharia vida.
Meu principal objetivo com a arte seria destacar minha jornada com a doença, do início ao fim. É um pouco triste, mas eu queria que fosse algo real. Não existe cura, então o fim dessa doença é um só. Apesar dessa inevitabilidade, eu queria mostrar que a vida persiste e mandar um lembrete para quem vive com uma doença terminal: sua vida é impactante, muito além de qualquer data de validade. Além disso, pensei como seria importante destacar minha deficiência, algo que ficou evidente com a cadeira de rodas lindamente trabalhada. E, por fim, eu queria incluir meus filhos também, todos os três!
Para mim, expressar uma história por meio da arte foi a parte mais difícil do processo de design. Por sorte, Littleleaf me ajudou a organizar todas as minhas ideias confusas, e também recebemos uma forcinha da Crystal Chang, Líder de Ilustração, para concentrar todos esses pensamentos em narrativas artísticas de tirar o fôlego. Quero mostrar alguns conceitos de que gostei muito, e não, eu definitivamente não chorei de soluçar quando vi essas artes...
Ideia nº1:
Arte 1: papai está viajando por Ionia em uma cadeira de rodas encantada, segurando um diário. Ele está documentando as coisas durante o pôr do sol.
Arte 2: a filha está explorando com seus irmãos e com a cadeira de rodas encantada (sem o papai). Ela segura o diário e está apontando para algo que papai apontou uma vez, talvez a flor. O sol está nascendo, ou talvez esteja de noite. As crianças ao fundo poderiam apontar para as estrelas ou algo assim, criando uma ligação de volta com o papai. Ou poderia até mostrar estações diferentes, deixando claro que o tempo passou.
Ideia nº2:
Arte 1: mostraríamos o papai passando tempo com seus filhos, talvez ensinando eles a pescar ou fazer algum tipo de atividade que mostra essa criação de laços. Ficaria evidente que o papai tem esclerose lateral amiotrófica, mas ela não estaria no estágio terminal.
Arte 2: mostraríamos a filha liderando uma atividade, agora que o papai se foi. Ela poderia estar ensinando os irmãos mais novos a pescar, assim como ela aprendeu com o papai.
Talvez ele usasse um colar que agora ela está usando. Ou talvez a vara de pescar fosse de um formato e estilo mais específicos, e agora ela a manuseia.
Talvez a antiga cadeira de rodas encantada pudesse estar na imagem, só que vazia, mostrando que o papai se foi.
Ideia nº3:
Arte 1: o papai está em paz olhando para uma árvore. Poderíamos mostrar o outono, com as folhas da árvore caindo.
Arte 2: a filha está subindo em uma árvore. Quando as ilustrações são reunidas, elas parecerem uma grande imagem única.
Talvez a filha esteja tentando agarrar uma bola para as outras crianças, indicando algum esporte ativo como lacrosse ou algo assim. Isso seria durante a primavera, com as flores desabrochando.
Por fim, acabamos utilizando partes de todos os diferentes conceitos para incorporar à versão final. Com a história pronta, essa é a ilustração finalizada!
A primeira coisa que podemos notar é a mudança de estações entre as duas cartas! Queríamos mostrar que o tempo passou, e o papai já não está mais entre nós. A mudança de outono para primavera é a transição simbólica perfeita. As folhas estão caindo, o sol está se pondo, e papai está muito feliz. E por outro lado, na primavera, vemos as crianças se divertindo e explorando a natureza, descobrindo as novas vidas que a estação está trazendo. A arte ficou lindíssima, e os artistas capturaram a essência perfeitamente.
O segundo elemento que quero apontar é o diário do papai, um item importante por várias razões. Primeiro, vemos um diário nas mãos do papai, mas depois ele é passado para as mãos das crianças. Além de insinuar que o papai não está mais presente, o objetivo serve para preservar seu legado, especificamente com suas crianças. Meus filhos são tudo pra mim, e espero sempre ter impacto positivo no futuro deles, estando aqui ou não. Ver as crianças brincando e amando a vida com o diário do papai é exatamente o sentimento que espero passar para meus próprios filhos.
Chegou a hora de falar do design da carta! Me apaixonei pelo conceito assim que ele surgiu na minha cabeça, e o design original é quase idêntico ao produto final, tirando alguns ajustes numéricos por conta do balanceamento.
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Tive muita sorte de conseguir ver minha filha mais nova crescer nesses últimos anos. Conforme ela aprendia a andar e a falar, me ocorreu como ela está passando por uma evolução inversa à minha. Durante os primeiros passos dela, passei a usar uma cadeira de rodas. Enquanto ela dizia suas primeiras palavras, eu estava perdendo minha própria voz. Ao longo da infância dela, passei a acreditar que eu estava "transferindo" minhas habilidades para ajudá-la, em vez de simplesmente perdê-las. Isso foi perfeitamente retratado na carta, já que o papai ajuda as crianças a crescerem!
Ao escrever esse artigo, falei da importância da família, e como só consegui ter sucesso na vida por conta do apoio da minha. Queria que essa carta refletisse o tanto cuidaram de mim, então a palavra-chave Suporte foi a solução perfeita. Essa carta é um símbolo de dualidade, mostrando que tanto o papai quanto as crianças precisam uns dos outros para prosperar.
A última decisão de design era substituir o nome temporário durante o desenvolvimento (Papai e as Crianças) com um nome oficial de carta. Depois de uma breve reunião criativa, descobri algumas coisas que gostaria de ver representadas na carta. (Nota de tradução: as informações a seguir se referem ao nome das cartas em inglês) Começando com o papai, a coisa mais importante era colocar na carta o meu apelido de longa data, "Rusty"! A palavra "rusty" (enferrujado, em português) não se encaixa tematicamente com Ionia, então foi necessário criatividade para conseguir encaixar! Já "Adnere" é um salve para meus colegas programadores do meu antigo emprego. Meu nome verdadeiro (Andrew) apareceu no banco de dados como Adnere, então eles começaram a me chamar assim, já que é muito parecido mesmo.
Para as crianças, eu quis tentar incluir todas elas no nome, assim elas poderiam ser representadas de maneira igualitária. A equipe de design da Riot optou por Aviarists (em português, Avicultores), o que foi perfeito já que faz sentido com a arte e narrativa da carta, além de incluir todos os meus filhos. Por um feliz acidente, minha família reparou em um easter egg incrível! Não tenho certeza se isso vale para todos os idiomas, mas lá vai! Meus filhos são Avy, August e Arya, então ficou assim:
Avy - i - Arya - i - August - s = Av - i - ar - i - st - s = Aviarists. Cada um dos meus filhos entrou no nome!
E, com essa parte finalizada, o projeto foi concluído! Não tinha como eu estar mais feliz com o resultado de todo esse processo. O próprio design ficou perfeito e mostra o amor mútuo e o laço entre um pai e seus filhos. A história reuniu a essência da família, incluindo os momentos bons e ruins de ter um pai lutando contra uma doença terminal. E a arte me faz sorrir de orelha a orelha e enche meus olhos de água sempre que a vejo. Existem tantos detalhes e cuidados por trás de cada aspecto desse desenvolvimento, e mal consigo expressar o quanto estou animado com o resultado final. Eu meio que estou torcendo para ela ficar bem roubada, assim posso vê-la em ação em algumas partidas. 🙂
Para encerrar, queria expressar minha gratidão a todo mundo que tornou realidade essa oportunidade. São pessoas demais para listar aqui, já que criar uma carta exige muito esforço em equipe de vários departamentos. É insano! Valeu, Riot e todos os envolvidos! Essa experiência foi incrível, e vou lembrar dela com muito carinho para sempre. Um agradecimento final para minha família, por todo o amor, apoio, lágrimas, risadas e memórias que criamos ao longo dessa jornada que fizemos juntos. Eu amo todos vocês!
Rusticles
Jogador Ocular
Andrew Liebel, ou Rusticles, entrou discretamente no cenário competitivo com Akshan e Sivir, conquistando resultados impressionantes e uma Classificatória para o Mundial. Quando ele não está aterrorizando as ranqueadas com seus globos oculares, é possível encontrá-lo nos assentos baratos de uma partida local de hóquei ou na mesa de jantar, arrasando nos jogos de tabuleiro com os filhos.